Exposição “Nise: A Revolução pelo Afeto” chega ao Sesc Bauru neste sábado
A partir do dia 23 de setembro de 2023, o Sesc Bauru traz ao interior paulista a mostra “Nise: A Revolução pelo Afeto”, que celebra e discute o legado da psiquiatra alagoana responsável por uma profunda transformação no campo da saúde mental. Após passagem pelo CCBB do Rio de Janeiro e de Belo Horizonte e Sesc Belenzinho, a exposição fica aberta à visitação até o dia 17 de março de 2024 no Sesc Bauru. O projeto também já esteve em Muriaé, no interior de Minas Gerais, por iniciativa da Secretaria de Saúde da cidade.
A curadoria do Estúdio M’Baraká, com consultoria do psiquiatra Dr. Vitor Pordeus e do museólogo Eurípedes Júnior, propõe uma experiência a partir de três eixos principais: contexto, dor & afeto, que levanta questões do debate sobre loucura e “normalidade”, assim como pontua o princípio da resistência aos métodos violentos dos hospitais psiquiátricos; ser mulher, ser revolucionária, que enfoca a trajetória pioneira e combativa de Nise da Silveira; e Engenho de Dentro: inconsciente e território, com maior ênfase nas obras realizadas pelos artistas-pacientes de Nise na instituição carioca e os caminhos abertos pela psicologia analítica.
A expografia de Diogo Rezende, designer e sócio do Estúdio M’Baraká, traz ambientes preenchidos por sobreposições que contrastam a frieza da instituição de clausura – sob constante vigilância – com o calor, a humanidade e a liberdade do trabalho que a doutora Nise realizou nos ateliês do Engenho de Dentro, hospital psiquiátrico na capital do Rio de Janeiro, hoje renomeado em sua homenagem. Esse tensionamento é perceptível, por exemplo, ao se percorrer um trecho da mostra em que os precursores da arteterapia e os tratamentos psiquiátricos agressivos aparecem enquanto contemporâneos de uma mesma época.
Atenta às discussões e pesquisas não só da psiquiatria, mas dos estudos científicos ligados à subjetividade, Nise da Silveira contribuiu para reposicionar o debate sobre internação e tratamento da esquizofrenia. Para isso, incluiu as práticas com materiais expressivos na rotina dos internos que estavam sob sua responsabilidade, observando tanto o modo como manejavam ferramentas artísticas e realizavam suas obras quanto as imagens que surgiam desse trabalho criativo.
“A Nise criou um método clínico centrado no afeto. Ela é herdeira de Juliano Moreira, de Baruch Espinoza, de Sigmund Freud, de Carl Gustav Jung. E Jung foi aluno de Freud e professor da Nise, na Suíça. Homens revolucionários, que abandonaram a ideia do corpo máquina e trabalharam com a abordagem centrada na subjetividade, na emoção, na identidade, na simbologia, nas narrativas que restauram as memórias. A nossa dificuldade hoje é não deixar o afeto se apagar em um momento em que tudo virou máquina”, situa o consultor Dr. Vitor Pordeus, que trabalhou no Instituto Municipal Nise da Silveira, de 2009 a 2016, e é um dos fundadores do Hotel da Loucura.
Além de conhecer a trajetória de Nise, condecorada como Heroína da Pátria pelo Congresso Nacional em 2022, os visitantes do Sesc Bauru poderão apreciar de perto as obras de emblemáticos artistas do acervo do Museu de Imagens do Inconsciente, como Adelina Gomes, Emygdio de Barros, Carlos Pertrius e Fernando Diniz. E também terão a oportunidade de contemplar as obras de Aurora Cursino dos Santos e Ubirajara Ferreira Braga, do Museu Osório César.
Junto a elas, também há produções de artistas contemporâneos, como Lygia Clark e Carlos Vergara, entre outros. Já entre as novidades desta edição da mostra, está a projeção Refino #2, do Tiago Sant’ana, que esteve apenas no Rio.
Para Isabel Seixas, produtora e sócia do Estúdio M’Baraká, “a exposição busca apresentar essa personagem e sua importância simbólica ontem e hoje. Nise é uma mulher revolucionária e representa um pensamento vanguardista brasileiro na ciência e, pela especificidade de seu trabalho, consequentemente, nas artes. Nise da Silveira (devemos reverberar esse nome) permitiria múltiplas abordagens – valorizar seu gesto revolucionário, a partir do afeto, é potente nos dias de hoje”.
Sobre Nise da Silveira
Nise da Silveira nasceu em Maceió, no dia 15 de fevereiro de 1905, filha de um professor de matemática e jornalista com uma pianista. Desse modo, cresceu em uma casa que prezava pela cultura e pelo afeto, frequentada por gente da imprensa, estrangeiros e artistas. A futura psiquiatra estudou no Liceu alagoano e, em 1921, foi para a Faculdade da Bahia, em Salvador. Ingressou no curso de medicina aos 15 anos e se formou em 1926, sendo a única mulher entre 157 homens daquela turma. Nessa época, também se casou com o médico sanitarista Mário Magalhães, colega de faculdade com quem viveria até o fim da vida. Juntos, optaram por não ter filhos e, assim, dedicar-se prioritariamente à medicina.
Em 1927, já sem a mãe e sofrendo pelo falecimento do pai, Nise decidiu se mudar para o Rio de Janeiro com seu companheiro, pois lá teriam melhores oportunidades de trabalho. No ano de 1933, enquanto finalizava sua especialização em psiquiatria, colaborou com a clínica neurológica de Antônio Austregésilo. Ao concluir essa etapa de formação, foi aprovada em concurso e começou a trabalhar no Serviço de Assistência a Psicopatas e Profilaxia Mental do Hospital da Praia Vermelha.
Na década de 1930, militou no Partido Comunista Brasileiro, mas foi expulsa da célula sob a acusação de trotskismo. Seu engajamento levou a uma denúncia por posse de livros marxistas, o que ocasionou a prisão de Nise da Silveira em 1936. Dessa época até meados da década de 1940, permaneceu com o marido em condição clandestina, afastada do serviço público.
Ao retomar suas atividades, em 1944, foi integrada ao Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, no Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro, onde combateu técnicas agressivas utilizadas nos pacientes da saúde mental. Nesse contexto, criou ateliês de pintura e modelagem para estimular a vinculação dos sujeitos por meio da expressão simbólica. Assim, tornou-se revolucionária em seu campo de atuação, alcançando resultados reconhecidos internacionalmente pela comunidade médica e científica.
Em 1952, Nise fundou o Museu de Imagens do Inconsciente, no Rio de Janeiro, espaço que ainda hoje exerce a função de resguardar o legado da visionária e de ser um centro de estudo e pesquisa que preserva os trabalhos produzidos nos ateliês psiquiátricos. Em 1956, surgiu ainda a Casa das Palmeiras, clínica voltada à reabilitação de antigos pacientes de instituições psiquiátricas.
Nesse percurso, a médica também se aproximou dos estudos jungianos das mandalas, uma vez que essas imagens eram recorrentes na produção dos internos que acompanhava. Já em 1954, iniciou uma troca de correspondência com Carl Gustav Jung que resultaria em um diálogo bastante produtivo para seu trabalho. Jung deu importante estímulo a Nise para que ela realizasse uma mostra com a obra de seus pacientes.
Assim, em 1957, ocorreu a exposição “A arte e a esquizofrenia”, que ocupou cinco salas do II Congresso Internacional de Psiquiatria, realizado em Zurique. Na ocasião, o mentor da psicologia analítica incentivou Nise a estudar mitologia como forma de ampliar as ferramentas de leitura de seu trabalho. A psiquiatra então embarcou em um período formativo no Instituto Carl Gustav Jung, na Suíça, que ocorreu em duas fases – de 1957 a 1958, e de 1961 a 1962. Ao retornar ao Brasil, criou o Grupo de Estudos Carl Jung, que presidiu até 1968. Nesse mesmo ano, publicou a primeira edição do livro Jung: vida e obra.
Ainda em vida, Nise da Silveira recebeu diversas homenagens e prêmios, como a Ordem de Rio Branco, pelo Ministério das Relações Exteriores, em 1987; o Prêmio Ciccillo Matarazzo, na categoria Personalidade do Ano, da Associação Brasileira de Críticos de Arte, em 1992; a Medalha Chico Mendes, do Tortura Nunca Mais, em 1993; e a Ordem Nacional do Mérito Educativo, pelo Ministério da Educação e do Desporto, em 1993.
Já aos 94 anos, em 1999, a alagoana veio a óbito devido a uma pneumonia, deixando um imenso legado para humanidade, que nunca será esquecido.
SERVIÇO
Nise: A Revolução pelo Afeto
Local: Sesc Bauru
Abertura: dia 23/9, sábado, a partir das 10h com:
Visita guiada com Gisele Billion, assistente de curadoria da exposição: 10h30
Visita guiada com Eurípedes Junior, vice-presidente da Sociedade Amigos do Museu de Imagens do Inconsciente: 15h
Visitação até 17 de março de 2024
Horário de funcionamento: Terça a sexta, das 8h às 11h (somente para grupos agendados) e das 13h às 21h30. Sábados, domingos e feriados, 10h às 18h30.
Acessibilidade: Rampas, elevadores, piso tátil e banheiros adaptados.
Classificação indicativa: Livre
Entrada gratuita
Estacionamento: não há
Endereço: Avenida Aureliano Cardia, n. 6-71
Vila Cardia – Bauru (SP)
Telefone: (14) 3235-1750
sescsp.org.br/bauru
Agendamento prévio de grupos pelo e-mail [email protected]
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