Grupo de cientistas pede a CoronaVac em plano do Ministério da Saúde
Pesquisadores e cientistas do grupo técnico encarregado de auxiliar o Ministério da Saúde na elaboração do plano de imunização fizeram um apelo ao governo para que as negociações com o Instituto Butantan comecem imediatamente. Os especialistas destacam a necessidade de um grande volume de doses para garantir uma ampla cobertura para a população brasileira.
“Vimos solicitar ao governo brasileiro o esforço para que sejam imediatamente abertas negociações com o Instituto Butantan, que já teria condições de oferta de doses de vacinas”, diz a carta (veja a carta na íntegra no final da reportagem).
O grupo se diz preocupado com o planejamento do ministério, que só tem acordo firmado com a vacina de Oxford/AstraZeneca. “A única alternativa à vacina da AstraZeneca incluída no planejamento é a ofertada pela Pfizer, justamente a que apresenta o maior desafio logístico”.
A vacina da Pfizer, que começou a ser aplicada no Reino Unido, precisa de refrigeração de -70ºC. Na segunda-feira (7), o Ministério da Saúde disse que assinaria uma intenção de compra das 70 milhões de doses da vacina da farmacêutica.
“É mister considerar que um atraso na campanha de vacinação significa vidas perdidas e precisamos neste momento utilizar a ciência para a tomada de decisão que norteará o que mais importa: a preservação de vidas de milhares de brasileiros e brasileiras. Esta é a mais importante tarefa de nosso tempo e todos os esforços devem ser envidados para a sua realização oportuna, segura e efetiva”.
Em outro ponto, o grupo aborda a definição dos grupos prioritários para receber a vacinação. Os pesquisadores reforçam que todas as populações mais vulneráveis devem ser incluídas, como quilombolas e populações ribeirinhas, além de privados de liberdade e pessoas com deficiência.
“Iniciar a vacinação o quanto antes será tarefa das mais importantes lideradas pelo Ministério da Saúde”, afirmam os pesquisadores.
O governo ainda não apresentou um plano nacional de vacinação contra doença, apesar de pressão das secretarias de Saúde.
Impasse
Em setembro, o governador de São Paulo, João Doria, anunciou um acordo de compra de 46 milhões de doses da CoronaVac e de transferência da tecnologia de produção da vacina para o Instituto Butantan, em São Paulo, que é uma instituição pública de pesquisa ligada ao governo estadual paulista. O instituto tem tradição na fabricação de vacinas no Brasil (assim como a Fiocruz, no Rio de Janeiro).
Quase dois meses depois, o Ministério da Saúde anunciou que também compraria a vacina chinesa, mas o acordo foi desautorizado por Bolsonaro.
Na terça-feira (8), o chefe da pasta, Eduardo Pazuello, disse que “se houver demanda e houver preço” o governo vai comprar “a vacina do Butantan”.
Veja a íntegra da carta
Nota pública do Grupo Técnico do “Eixo Epidemiológico do Plano Operacional da Vacinação contra COVID-19” – 9 de dezembro de 2020
Para atender os grupos prioritários para o Plano Operacional de Vacinação contra COVID-19, será necessário grande volume de doses de vacinas e será importante garantir ampla cobertura da população brasileira. Considerando-se o fluxo de disponibilização de doses acordadas até o momento pelo governo federal em relação à vacina da AstraZeneca/Oxford, o grupo técnico assessor, reunido no dia 09/12/2020, vem a público manifestar sua preocupação em relação ao quadro atual e pedir o esforço das autoridades para incorporar em sua estratégia de imunização, através do Programa Nacional de Imunizações (PNI) e da rede de serviços do Sistema Único de Saúde, todas as vacinas que se mostrarem eficazes e seguras para proteção da população contra a COVID-19, de modo que seja possível uma cobertura adequada no menor tempo possível. Sabemos que, do ponto de vista de campanha de saúde pública, essa é uma operacionalização complexa e que precisa ser discutida amplamente com todos os setores da sociedade, de modo a evitar a polarização e politização na saúde brasileira.
Consideramos que, além das populações já incluídas e apresentadas na nota do governo, todas as populações consideradas mais vulneráveis à COVID-19 devem ser incluídas na prioridade de vacinação, como quilombolas e populações ribeirinhas, por vivenciarem realidades similares àquelas das populações indígenas já incluídas no plano, além de privados de liberdade e pessoas com deficiência. Outro ponto importante e que deve ser considerado é a ampliação do escopo da quarta fase para todos os trabalhadores da educação, e também a inclusão, nos grupos de vacinação, dos demais trabalhadores essenciais.
Nossa missão como cientistas consiste em apontar os grupos da população que mais necessitam ser vacinados neste momento emergencial, sendo obrigação das autoridades providenciar as doses necessárias para que isso possa ser realizado a contento. Em um cenário de escassez, onde o mundo ainda busca alternativas para vacinação ampla e adequada e em que países como Alemanha, Canadá e Reino Unido garantiram vacinação para toda sua população, tendo este último inclusive já iniciado sua campanha, manifestamos preocupação ainda maior, devido ao aumento dos casos e das mortes no Brasil. Assim, iniciar a vacinação o quanto antes será tarefa das mais importantes lideradas pelo Ministério da Saúde.
Nos causa preocupação constatar que, até o momento, a única alternativa à vacina da AstraZeneca incluída no planejamento seja aquela ofertada pela Pfizer, justamente a que apresenta o maior desafio logístico para incorporação à estratégia nacional de vacinação por conta da cadeia de frio necessária.
Assim sendo, vimos solicitar ao governo brasileiro, através do Ministério da Saúde, o esforço para que sejam imediatamente abertas negociações com o Instituto Butantan, que já teria condições de oferta de doses de vacinas, com outras empresas que trabalham com a vacina CoronaVac e com outras vacinas candidatas em fase final de estudos de eficácia. É mister considerar que um atraso na campanha de vacinação significa vidas perdidas e precisamos neste momento utilizar a ciência para a tomada de decisão que norteará o que mais importa: a preservação de vidas de milhares de brasileiros e brasileiras. Esta é a mais importante tarefa de nosso tempo e todos os esforços devem ser envidados para a sua realização oportuna, segura e efetiva.
Por fim, reiteramos o papel fundamental dos quadros técnicos da Coordenação Geral do Programa Nacional de Imunizações (CGPNI) na articulação e coordenação dos eixos de discussão necessários para a definição de uma estratégia de vacinação nacional em sintonia com o que há de mais atual e com evidências científicas associadas às vulnerabilidades para agravamento e impacto social dos casos de COVID-19, bem como às particularidades que nosso país apresenta para uma campanha efetiva em todo o território nacional. O PNI é motivo de orgulho do SUS e da população brasileira, e é referência mundial em campanhas de vacinação há décadas. Tal feito foi obtido graças à dedicação de seus quadros técnicos e da parceria com entidades científicas e conselhos ligados à saúde pública em nosso país, garantindo ações baseadas em evidências, alheias a eventuais cenários políticos de fundo.